4.11.13

A vida..

Chego em casa, pego roupas limpas no guarda roupa, dispo-me e ligo o chuveiro elétrico numa temperatura adequada. Tomo um banho que limpa o corpo e o torna cheiroso. Visto a roupa limpa e guardo a roupa suja num cesto. Vou à cozinha, abro um pacote de sucrilhos coloco num  copo, adiciono leite em pó e água, e misturo até obter o ponto ideal. Cereais levemente crocantes e adocicados. Essa é a refeição da noite, e eu olho o armário e a geladeira para ver o que falta para comprar e planejo comprar o que falta no dia seguinte. O valor do que vou comprar não representa 10% do valor que recebo mensalmente.

Enquanto isso, a menos de um quilômetro daqui, o jovem Kauã, de cerca de 28 anos (não muito mais velho do que eu), está procurando um carro para guardar. As roupas são as mesmas há dias, e estão imundas, assim como seu corpo. Ele sabe que não vai comer nada nessa noite, e a sua próxima refeição irá depender da caridade de alguém que ele "pescar" na rua.. Ou possivelmente num restaurante popular. Esse jovem errou desastrosamente, e hoje vive um dia de cada vez, até prescrever sua pena. Fugido, teme retornar ao seu estado e ser torturado e possivelmente morto por seus antigos inimigos. Assim como ele, há inúmeros homens e mulheres passando pela mesma situação.

Ontem passei duas horas com esse rapaz. Eu fui "pescado", e levei ele pra almoçar. Não sei como, mas entramos no shopping e fomos almoçar na Parmê. Era uma cena interessante, eu andando de chapéu e chinelos com um jovem todo sujo do meu lado, pra cima e pra baixo.. O encontro entre a minha classe social e a dele me fez pensar sobre muitas coisas, e por isso escrevo esse texto. Em primeiro lugar, me chamou a atenção ele ver tudo como se não visse há muito tempo. Ver as novas tecnologias tão de perto, tecnologias nunca antes vistas,  e traçar planos de furto, e que certamente seriam impedidos pela segurança. Mas acho que ele só tava se gabando.. 

Ele não estava habituado àquele ambiente, e quase jogou seu lixo no chão algumas vezes. Quando passávamos à frente de uma lixeira, ele queria comer o que encontrava por cima.. E as pessoas pareciam ignorar aquele rapaz. Não sei o que pensavam, mas parecia que o viam como qualquer coisa, e não notavam que ele era um morador de rua, alguém fora daquele ambiente. Engraçado como o lugar comum é não notar quem está ali, e apenas ver uma massa de carne se movimentando. Ele notava tudo, a expressão das pessoas, a forma como as pessoas eram prepotentes e como algumas notavam sua condição e ficavam olhando pra ele de cara feia.. 

Outra coisa notável era o incômodo do rapaz naquele ambiente.. Notei que ele queria que acabasse logo aquele encontro, pra que ele pudesse sair dali.. Era difícil pra ele permanecer naquele lugar, pois ali ele não se sentia seguro. Tinha medo de ser expulso pelos seguranças, tinha medo de querer furtar alguma coisa e tinha medo dos olhares maldosos de quem o notava. Tinha medo que eu o convencesse a se entregar às autoridades.. Foi um encontro bem difícil pra ele, e um tanto proveitoso para mim. Pude notar a nossa vida e a maneira que a gente desperdiça coisas valiosas. 

A água que bebemos, a comida que comemos, a roupa limpa que vestimos, a cama confortável que nos deitamos todas as noites, a nossa capacidade de se proteger do frio ou do calor, de acordo com a ocasião. Podemos nos distrair com uma boa música, com um bom filme, com uma peça de teatro.. Temos a possibilidade de encontrar alguém especial para construirmos nossas vidas, mas.. O que espera um rapaz fugido, fora do seu estado, sem documentos, e que mora na rua? Que vivências ele estará passando nesse minuto? Que vivências o aguardam? 

Valorize o que tem. Não quero dizer com isso pra nos apegarmos aos bens materiais, o que inclusive vai contra meus princípios, mas que valorizemos o que temos. Não estou dizendo também que não devamos compartilhar esses bens, dentro de nossas possibilidades, devemos compartilhar o que temos, pois isso é uma lei natural da vida. Vivemos por algum motivo, e pelo que vejo, esse motivo é ser útil. Contribuir para o bem estar social e material do mundo que vivemos, das pessoas que nos cercam. 

Quanto mais nos desprendemos dos nossos velhos valores morais, mais nos aproximamos da paz no coração. "E a paz no coração, no meio das dificuldades da vida, não será felicidade?" Há tanta vida pra viver lá fora.. =).








Nenhum comentário:

Amigos